sábado, 3 de dezembro de 2011

Epitáfios



- Dalva diz que da janela do seu quarto o vê andando pela madrugada, depois fica sentado num dos bancos da pracinha com se fosse um jovem preocupado com a vida, com o olhar perdido. A janela do seu quarto  fica defronte ao local, onde costuma ficar  esse garoto -, é bem estranho. Ela diz que ele não sai da porta do cemitério da Piedade.Lança olhares para ela, da praça -, vítreos e insistentes.
- E os pais dele não vêm isso...? Estranho demais.

- Não sei, o que sei é que não quero ele andando com a nossa filha, pouco me importa se está apaixonado, sofrendo, perdendo noite de sono por ela. Dane-se. 
Encerrado aquele diálogo noturno, então, resolveram repousar. A madrugada se estenderia, em breve. Gatos pululavam entre os telhados das casas. E, lá estava ela, uma magnífica lua cheia sobre as nuvens, numa noite bela e estrelada. Dalva, ainda estava acordada navegando na internet, como de costume - quando tinha poucos deveres da escola. Tinha um blog, onde escrevia e postava poesias, e contos. Escrevera naquela noite, inspirada na bela noite que avistava da janela do seu quarto.
Falava da lua, das estrelas, da noite e de paixões noturnas e proíbidas. Após finalizar a postagem admirava a sua obra, como se fosse a maior obra-prima criada pela mais talentosa literata.
Dalva era uma menina de poucos amigos. Tímida, de poucas palavras, apesar de exuberante beleza física. Assemelhava-se com a bela e sedutora Merilyn Monroe. O seu quarto era decorado com fotografias dos maiores artistas de cinema da atualidade - com alguns da velha-guarda. Uma estante, ao lado de sua cama estava cheia de livros de suspense, mistério e de alguns romances de historias açucaradas. Fechou o notebook, jogou-se na cama. Os olhos no teto, as mãos em formato de concha na cabeça. Cruzou as pernas e soltou a sua imaginação refletindo a respeito de sua vida na escola e na família. pensou alto: -" eu sou uma tola, e minha vida não tem sentido algum, se não fosse o meu blog..."
Tales, o garoto estranho ergueu-se da cama, estava com o corpo frio, como de costume. Talvez, a sua pressão arterial estivesse mais uma vez alterada, fora do normal. Daquela vez não chamou a sua mãe. Ela lhe daria a mesma resposta, a de sempre. Então, como de hábito, desceu lentamente a escadaria, pulou uma das janelas, e usando a fina e firme árvore como escorregador. Pisando na grama, chegou à praça da Matriz, ali, sentou num dos bancos, e ficou aguardando a noite passar. Um chuvisco fino, de repente caiu, mas não lhe incomodou. Não saiu do banco. Até, que virando o rosto avistou a rua   do cemitério. Aquela não seria uma noite diferente, levantou-se e foi andando lentamente em direção ao cemitério. Queria saber, como sempre, se ali, repousavam figuras distintas da sociedade feirense - mais gente do povo, anônimos, que morreram de todas as formas possíveis. Buscaria saber se existem fantasmas - " será que as almas ficam no cemitério junto ao túmulo, após abandonar o corpo de matéria"? - pensava assim. Uma ventania simplória lhe acariciava o rosto pálido. As ruas estavam desertas - o silêncio da noite era quebrado ao longe, pelo apito do vigia noturno do posto de gasolina, que ficava próximo à praça. O seu cão ladrava a cada soar do apito. A noite seria longa. Tales andava pelos corredores, entre as covas, e lhe chamou a atenção os epitáfios. Foi lendo um a um: " Sê fiel até á morte e dar-te-ei a coroa da vida" - apocalipse 2:8. Andou mais alguns passos e, mais um epitáfio : " Não acenda velas, estou dormindo". Este lhe arrancou um sorriso gelado. Teve mais este: " Nada no mundo pode me fazer esquecer de você, vó, minha rainha. Viver sem você não é viver, é apenas existir". Juliana, 9 anos, neta.
E, este o deixou hipnotizado: " Eu que nunca um so momento, senti paixão pelo ouro, hoje por causa da morte, guardo enterrado um tesouro".
Sentou-se numa tumba, ainda banhado pelos pingos da chuva fina que insistia em molhar a noite. O olhar perdido, no solo, como se fosse o mais desolado dos homens. A respiração, por segundos inexistente,  quase não lhe fazia sentir vivo.
- Oi...
Jamais acreditaria que uma voz feminina soaria às suas costas.
-Eu olhei pela janela do meu quarto e te vi andando pelas tumbas, achei meio estranho. O meu quarto fica no andar de cima e de frente para o cemitério, como você tem passado...?
- Ja andei entre as tumbas de cemitérios de muitos lugares, não é estranho. Gosto de fazer isso, é um dos meu melhores passa-tempo noturno.
- Nossa, isso é muito estranho. Meus pais não querem a nossa amizade. Ja comentei com eles a seu respeito.
- Seus pais não sabem que existem cemitério que são lugares turísticos, que recebem visitantes de todo o mundo..? Ja visitei o túmulo de  Chopin, no cemitério do Pére-Lachaise, em Paris. E vi, também, o jazigo de Allan Kardec.
- Nossa, você ja esteve no exterior, e em cemitérios, você, não sei não.
- Visitei o túmulo de John F. Kennedy, no cemitério Nacional  de Arlington na Virgínia nos Estados Unidos. Admiro o bom gosto na arquitetura dos mausoléus. Em Portugal, visitei o túmulo de Camões. Tem um lindo jazigo.
- Como pode fazer isso, as demais pessoas gostam de viver, são alegres e amam a vida, vão ao shopping, cinema, praia - você parece ter uma irresistível e mórbida atração pela morte.
-Ja estive na Argentina, visitei o túmulo de Evita Peron, fica no cemitério La Recoleta, em Buenos Aires. Eu adoro a morte, o silêncio reinante num cemitério, confesso. escute:
" Je désire
que mes cendres
reposent sur les bords de la Seine
au milieu de ce
peuple français
que j´ai tant aimé".
- Isso em francês ta aonde...?
- No jazigo de Napoleão Bonaparte.

- Nossa, você foi mesmo para esses lugares...é engraçado.
- Estamos sentados no jazigo de uma grande personalidade, Eduardo Froes da Mota, de Feira de Santana. Ah,sim, Monteiro Lobato - estão  os seus restos mortais no cemitério da Consolação, em São paulo.
- Você viu tudo isso na internet, não foi...?
- Veja como quiser...eu posso ir a muitos lugares e sem gastar um centavo. Eu simplesmente, apareço por la, acredite.
despidiram-se após a troca de poucas palavras - frases curtas. O chuvisco fino retornara, de forma pertubadora. Dalva, não sabia avaliar ao certo, quem na verdade era Tales - por momentos, chegou a pensar que ele era desequilibrado, digno de se tratar com um psicólogo, mas, havia sentido muita firmeza nele - naquela paixão pelos cemitérios. Havia o conslo de ter tido uma noite diferente. Nem sabia, ao certo como teve a fortaleza de sair de casa áquela hora da noite e ir encontrá-lo no interior do cemitério. Teve calafrios, quando adentrou pela escuridão, entre as covas, sendo coberta pelas sombras dos jazigos. Sentia um míster de medo e euforia. Nem piscava os olhos ou respirava direito - com o coração em fúria, seguia em busca de encontrar o garoto Tales, que andava a passos curtos, lentos por entre as tumbas. Entrou em sua casa.
A noite seguia. Dalva recolheu-se, custou a pegar no sono. Ergueu-se pela última vez, num impulso de curiosidade e olhou pela janela na direção do cemitério. Tales não foi mais avistado. Soava ao longe o apito do vigia noturno, seguido do latido do seu cão, latidos nervosos. A chuva de verão estava passando.
Na manhã ensolarada, o vigia noturno, antes de ir repousar em sua casa, após uma longa noite fria, dirigiu-se este até á casa da menina Dalva. Antes de tocar a campainha, foi surpreendido pelos seus pais, que saiam para a labuta do dia a dia.
- Bom-dia, eu quero falar algo para os senhores, é sobre a menina, a filha dos senhores...
- Pode dizer, temos pressa, o que há...?
Retrucou a sua mãe, com ares de nervosismo.
- A menina ontem à noite estava circulando pelo cemitério, indo de tumba em tumba. Passeava, com tamanha desenvoltura pela escuridão que me deixou surpreso. Vocês têm algum parente enterrado lá..?
- Não...
E, seus pais o acompanharam até ao cemitério. Disse o vigia:
- Aqui nesta tumba, ela ficou por longo tempo, sentada e parecia conversar com alguém, porém, não vi ninguém ao seu lado, até pensei que a menina estava em desequilíbrio, após perder um parente que muito ama
E, na lápide estava o seguinte epitáfio: " Vi as belezas da terranunca tive uma amiga de verdade, a minha alma muito cedo sonhou com o céu". Tales Azevedo - 03.09.1980 - 09.07.2000
 



























Um comentário:

  1. Interessante...Cheguei a pensar mesmo que um dos dois estivesse morto.Mas acreditava ser ela a morta.Se bem que rememorando agora a história vc deu indicios da morte dele ao falar das pulsações diferentes e que não adiantaria falar pra mãe.
    Gostei do conto ^^

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