sábado, 5 de novembro de 2011

Contos das Ruas


Pequeno Conto
Das Ruas


Havia decidido cortar caminho atravessando um beco úmido e escuro. O lixo jazia no chão elaborando uma junção deprê. Tinha algumas poças d’água e muitas birras de cigarro – algumas, ainda fumegantes.
A cada passada dada o meu coração acelerava, num míster de euforia/medo e pela possibilidade do encontro com o inesperado – com os que habitam nas sombras. Ficam à espreita e devoram, num segundo suas vítimas.
Orei a Deus pedindo proteção. Estava já no meio do beco, um beco comprido e estreito. Formado pela junção de duas paredes emporcalhadas pelo tempo, por falta de reformas.
Não dava mais pra voltar, segui em frente – com medo, suava frio. Feito uma presa acuada.
Quando já estava ficando livre daquela situação tensa e um tanto solitária – a não ser pela companhia do medo. Então, aconteceu...
O ser das sombras, o predador. Tinha olhos vermelhos, exibia os dentes. Caninos longos e amarelados por falta de zelo. De voz embargada falou:
- Passa a carteira, parmalate otário.
Exibia uma pequena faca enferrujada. Uma faca de cozinha. Sua mão tremia e rangia os dentes.Arrastou-me para fora do beco puxando-me pelo colarinho. Encostou a faca no meu pescoço. Falava, de forma embolada:
- Eu quero fumar, preciso. Cansei de esmolar. Tô no saci, tô na bruxa, tô no bonde.Quero a grana e se tiver corrente ponho na balança. Sou de correria, agora.
Dei a minha carteira. Pedi que tirasse a onça – cédula única - e me devolvesse os documentos. E, assim foi.
Dando passos trôpegos, e de olho em mim, optemperou:
- Você é boa gente, sangue bom. Sempre te vejo pela noite distribuindo sopa e roupa usada para os moradores de rua.
Havia perdido o medo e uma cédula de onça – é isso – freqüento um centro espírita, e faço parte do grupo que faz assistência fraterna aos necessitados. O craqueiro, dependente químico, e agora ladrão levou a minha onça – cédula única, que tinha – era pra pagar a conta de água, que estava atrasada.
Observando-o bem, havia percebido que o boné que ele usava, a camisa pólo ainda bem conservada, o tênnis que calçava e a calça jeans, ainda em conservação de uso foram meus pertences – fruto de doação minha para os moradores de rua, que  havia feito muitos dias atrás.
Naquele momento, uma nuvem cinza havia encoberto a lua. As ruas ficaram mais escuras ainda.Uma chuva fina tilintava na calçada e molhava os meus sapatos. Voltava pra casa a pé, não tinha sobrado nenhum níquel para o transporte. Banhado pela chuva seguia andando, sem pressa pelas ruas da selva de pedra.
Observei que ao longe, do outro lado da rua um grupo de senhoras distribuía sopa para os mendigos. Talvez, um morno copo de sopa estivesse alimentado mais um dos manos do bonde - um de correria, que fica no saci, na bruxa, dando-lhe energias e forças - para  poder fazer mais uma correria. Fiquei aliviado, ao por a chave na fechadura, girar, abrir a porta e estar dentro de casa. Um saci levou minha onça - não me senti um parmalate - branco otário na linguagem dos negros vagabundos -,  mas, sim, um cordeiro.

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