segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Agonia Vermelha

Acordar cedo para ir ao trabalho, enquanto o corpo pede mais horas de sono - uma tortura a cada amanhecer. Ter que deixar o calor do cobertor, enquanto o tic-tac do relógio, cruel, impávido cobra que adiante o momento de tirar a meia dos pés. Escovar os dentes, de forma ligeira. Tomar um banho frio - já que não tinha chuveiro elétrico. Sair sem tomar o café da manhã, enquanto se tem dinheiro curto na carteira.

A espera no ponto de ônibus, debaixo de uma chuva fina - e o medo de ser assaltado. Uma senhora vende mingau quente. O cheiro sedutor fê-lo gastar mais um real, antes da chegada do ônibus. A condução chega, e como sempre, cheio como uma lata de sardinha. gente fedida, com os braços suspensos - uma tortura. A condução seguia pelas ruas molhadas e ja se desenhava o engarramento.
Com esforço, consegue andar pelo corredor do veículo, espremido entre bundas enormes de senhoras gordas. Ora, pisava no pé de um, recebia um reclame, um xingamento. Tinha que fazer como um contorcionista para poder se deslocar por entre os passageiros. Conseguia com facilidade, pois, era magro.

Ao saltar do ônibus, vivenciava no seu ser o tédio de ser mais um entre tantos operários da construção civil, sem direito a nada que se relacionasse com conforto, prazer e felicidade. Nada podia ostentar o brilho da classe abastada nos seus olhos - comprar em shopping center, ir ao cinema, comer pipoca.
Ficar na praia tostando ao sol e ter a companhia das vadias que adoram beber, beber cerveja gelada, quer dizer, quente- cerveja gelada na praia não existe. Aproveitava o dia de praia para com uma caixa de isopor para vender cerveja em lata e complementar a renda. Vendia uma cerveja e comia as gatinhas de biquine com os olhos.

Na obra o serviço era duro, no fim do mês a remuneração dava so pra pagar o que devia - a mercearia do mané Quinzinho, um dos poucos do bairro que lhe vendia fiado. O bar da Filó, que lhe vendia uma ou outra cerveja pra pagar depois. Um colega, ou outro que lhe emprestava um tostão qualquer. O seu salário ia embora em condução e em mantimentos. 

Tinha pedreiro que ganhava o bastante para viver bem, e não faltava serviço. Ele se perguntava aonde errava pra levar uma vida dura, difícil. Pois, era um profissional de mão cheia. Criativo, rápido, de bom gosto e sabia fazer do alicerce ao telhado. Então, uma luz se acendeu para suas indagações.

Havia trocado a vida de prestador de serviço, por conta própria pela carteira assinada numa construtora - ter um salário fixo, renda segura. Foi tudo o que buscou, e quando encontrou, estava in loco experimentando na pele o vampirismo dos poderosos, os ricos donos de construtoras.
O desmatamento avançava pelas matas virgens da Paralela, mais de uma centena de prédios sendo erguidos - tudo isso com a legalidade do estado.
Não era um ecologista convicto, mas amava o verde. Várias vezes passava por ali, de ônibus e mantinha o rosto na janela, observando com admiração  aquela área verde, remanescente da mata atlântica, último vestígio do verde que restara do Brasil colônia.

Por ironia do destino, após anos fora do mercado formal,voltara a ter a carteira profissional assinada pelas mãos dos capitalistas da construção civil, os que criam e destroem - tudo pelo dinheiro.
Vender cerveja na praia, numa caixa de isopor pra complementar a renda.
Construindo prédios de luxo para a classe abastada. Mão de obra barata de milionários, empresas de ricas contas bancárias. Difícil entender as engrenagens daquele sistema.

Então, numa atitude de desespero, no dia do pagamento, com outro operário, que tinha procedência duvidosa, armou o assalto do pagamento da peãozada da obra, que era feita em espécie. Sacou de um revólver, comprado ha três dias numa tal feira do rolo, rendeu os homens do pagamento.
Quando estava correndo com os malotes do dinheiro, mais um segurança surgiu do nada e lhe deu um tiro certeiro no peito. E, ali, morreu sobre as cédulas, objeto do desejo, numa agonia vermelha.






















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